Por João Maurício
“Hoje perdi um dos pilares da minha vida. Podia escrever tantas coisas sobre a minha avó Manuela, mas a emoção tolda-me o espírito e, por isso, resta-me dizer que ela trabalhou com dignidade até aos 89 anos. Os domingos cá em casa nunca mais serão os mesmos”, palavras de Joaquim Paulo, jornalista e neto da peixeira Manuela, a 8 de dezembro de 2023.
Este texto e a foto foram retirados, com a devida vénia, do Facebook de Joaquim Paulo. A notícia da sua morte chegou-me com atraso, e foi um acaso, mas às vezes acontece. E curiosamente, eu nem sei o apelido da senhora, mas a verdade é que foi uma pessoa de quem nunca me esqueci. Talvez porque, quando ia para a escola primária a via sempre, dia após dia. Sentia uma espécie de ternura por ser uma pessoa simples, hoje penso que era muito genuína e o espelho de uma época que os tempos ditos modernos teimam em apagar.
A vida não é só feita de gente importante, mas também de pessoas simples como foi o caso desta nazarena.
A peixeira Manuela era uma figura muito conhecida da Benedita. Vendeu peixe durante uma vida. Nos primeiros tempos acompanhada pele mãe, uma velhinha castiça, como naquele tempo eram todas as nazarenas.
Um dia, foi há tanto tempo que já perdi a conta aos anos, a Manuela contou-me uma história que nunca vou esquecer. Disse-me com aquele falar bem nazareno da época: -«eu era uma catraia e ouvia falar da bomba “atômeca” e perguntei a um velho pescador o que era. Disse-me o velho lobo do mar»: – “é o mesmo que levares um pontapé no rabo e ires parar em cima do Mosteiro de Alcobaça”. Nesse momento, a Manuela soltou um riso de que ainda me recordo.
Todos os dias, durante décadas vendia numa velha banca, junto ao cruzeiro, perto da casa dos sogros do Dr. Calado da Maia. Ao sol, ao frio e à chuva, lá estava a Manuela. Depois, passou para a praça, mas essa fase já não conheci, pois entretanto mudei-me para Rio Maior.
Ainda nos anos sessenta, quando obter peixe não era como hoje, os serranos dos Casais Monizes e das Alcobertas desciam a serra por atalhos e chegavam ao Casal do Guerra. Segundo me disse a Lúcia Serralheiro, traziam o calçado mais tosco. Aí, trocavam de calçado mais fino, para chegarem à Benedita mais aperaltados. Depois, todos passavam pela banca da Alice e da Manuela. Aí, compravam sardinha, carapau, e o típico peixe seco da Nazaré, um manjar, naqueles tempos difíceis.
As peixeiras da Nazaré tiveram um papel importante na distribuição do peixe na nossa região, mesmo no Ribatejo interior.
O famoso escritor Raul Brandão, num dos seus livros, diz-nos que no século XIX, nos tempos da penúria, chegavam a vir vender peixe, a pé, até Santarém.
Que a Manuela descanse em paz!