Por João Maurício
Nesta alvorada, recordamos os que, em Rio Maior, levantaram a sua voz contra a ditadura, nomeadamente no apoio a Humberto Delgado, em 1958.
Nas figuras de Alberto Goucha e José Pulquério lembramos todos os que, entre nós, disseram não a um regime opressivo.
Em 28 de outubro de 1973, aconteceram as “eleições” para a chamada Assembleia Nacional, local onde todos, ou quase todos, falavam tendo por base o mesmo guião. Nos meus 24 anos, não tinha muita consciência política, mas já ouvia Manuel Alegre numa rádio clandestina.
Apagaram-se da minha memória muitos detalhes, porque o tempo não perdoa. Meio século é muito tempo!
Recordo-me, contudo, que estava prestes a despir a farda que me esteve colada ao corpo durante três longos anos. Creio que foi em finais de setembro que se realizou em Leiria, um comício da oposição democrática, claro que num espaço fechado. Lembro-me de que nessa lista distrital da quase clandestina oposição, estavam nomes como o caldense Maldonado Freitas, o advogado leiriense José Henriques Varedas e dois homens da Marinha Grande, Manuel Baridó e Guarda Ribeiro. Este último era a única figura que eu conhecia por ser casado com uma minha antiga professora de Inglês.
Ser da oposição nesse tempo era duro e perigoso. A cadeia, especialmente a de Peniche, estava sempre no horizonte. A minha modesta pessoa não era, de facto, dessa minoria, mas também não era do sistema.
Tinha oito anos, quando Humberto Delgado foi “roubado” nas eleições presidenciais. Era uma criança, mas fiquei intrigado com as paredes pintadas com o nome do general. Letras pintadas na calada da noite. Havia, de facto, naquele sistema algo de estranho. Depois, já no início dos anos sessenta, lembro-me do assalto ao Quartel de Beja.
Ainda fiquei mais intrigado, quando, voltando a 1973, um oposicionista me convidou a ir ao comício leiriense. E só não fui, porque nesse longínquo domingo, tinha de regressar ao quartel a meio da tarde. Foi só por isso que não fui à cidade do Liz.
Tinha curiosidade em ouvir aqueles homens que eram do “contra”.
O pior é que no fim do comício, a DGS (PIDE), identificou toda a gente. Safei-me !!!
É que nesse tempo, os militares andavam sempre acompanhados do Bilhete de Identidade Militar. As novas gerações não valorizam essas realidades tão simples, porque não as viveram. Ir a um comício da oposição era sinónimo de vir a ter problemas. Era um género de pecado. Ficava-se com uma espécie de carimbo! Mas, mesmo assim, eu queria arriscar. A Democracia não é, longe disso, um sistema perfeito, mas não é comparável àqueles cinzentos tempos em que não havia liberdade de expressão nem de reunião. Mais de duas pessoas do contra juntas eram uma provocação para o regime.
Havia sempre o perigo de haver um informador da PIDE por perto. Eram mesquinhos muitos dos políticos do tempo da “outra senhora”.
Já nessa altura escrevia nos jornais. Um banal artigo pedindo que uma aldeia vizinha fosse promovida a vila, deu brado, cheirou a subversivo. E claro, o Senhor Governador Civil não gostou, porque era um pensamento não alinhado. Manifestou o seu desagrado junto do modesto Presidente de Junta de Freguesia que me transmitiu o recado. Um verdadeiro puxão de orelhas. Éramos, de facto, um país a preto e branco. Monocórdico, fechado ao mundo. Por isso, o regime caiu de podre.
A Democracia tem um conjunto de nobres valores que todos nós conhecemos. Mas passa, também, pela aceitação da diferença, pela tolerância. Democracia é poder ser do “contra”, não porque sim, mas por defesa de ideais em que se acredita. Ouvir livremente Manuel Alegre e escrever o que pensamos. Isto tudo, sem ser incomodado, sem ter a PIDE (de má memória) ao virar da esquina. A Democracia é tão nobre que até deixa em paz os que não gostam dela.
Foi saboroso ter comprado no quiosque da Estação Ferroviária do Entroncamento, no início de 1975, o livro de Mário Soares “Portugal Amordaçado”. Abril é, também, isso – poder comprar um livro que fora proibido!
Cinquenta anos passaram. Nesse dia distante, cantaram-se hinos de esperança. Foi o fim da guerra.
Há quem sinta frustração pelos sonhos não concretizados. Mas a Democracia é isso mesmo: um sonho sempre inacabado. Urge refletir e retificar os erros cometidos. Envelhecemos, mas a esperança não morrerá.
O 25 de Abril foi o virar de uma página e o encetar de um novo capítulo da História de Portugal, porque a vida não foi, não é e não será estática. Nós tivemos o privilégio de viver nesse tempo, mas o 25 de Abril não é propriedade de ninguém.
Esta data vai ficar nos Anais da História de Portugal. Na minha opinião, não devemos colocar o 25 de Abril num patamar superior, onde estão outros momentos da nossa História, como o 1º de Dezembro de 1640, o Tratado de Zamora ou a Implantação da República. Mas é uma data marcante, ninguém tenha dúvidas disso.
O projeto “50 anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas – Continuidades de Mudanças Geracionais (ISCSP/CAPP)”, apresentou recentemente um estudo, de onde se conclui que os portugueses fazem uma avaliação maioritariamente positiva do 25 de abril, nomeadamente os jovens. Ainda bem!