Por João Maurício
Conclusão
Os postais ilustrados eram, ainda, como a própria vida, a preto e branco. Os banheiros faziam engolir “pirolitos” de água salgada à miudagem que, por isso, os detestava. Lembro-me do “Galego”, figura popular, austero, com o seu barrete preto, mas um homem simples, sério e bom.
Na praça central, às vezes, havia “os Robertos” e o barbeiro com a sua navalha fazia a barba ao boneco como se fosse um cliente. Os miúdos jogavam à cabra-cega e ao prego na areia. Os mais velhos jogavam à sueca e as cartas deslizavam num velho banco gasto pelo tempo. Um carro preto anunciava o Circo Mariano com palhaços, saltimbancos e malabaristas. Nas esplanadas bebia-se capilé e na areia as crianças usavam brinquedos muito simples, mas a alegria era enorme. O fotógrafo de rua não tinha mãos a medir com tanta clientela e dizia “olh’ó passarinho”. Era nesse ambiente e bulício que se vendia o peixe pelas esquinas e a bolacha americana à beira-mar.
Mas quem descreveu magistralmente esses quadros foi Alves Redol, na obra “Uma Fenda na Muralha”, onde podemos visualizar as desaparecidas tabernas locais. Numa delas, às tantas, diz uma personagem: “o porto há-de vir quando o pinhal der vinho em lugar de pinhões”. E o porto de abrigo, que tinha sido prometido pelo rei D. Carlos, veio com Mário Soares. E a Nazaré, a partir daí nunca mais foi a mesma, afirmo-o eu, sem saudosismos, mas constatando uma realidade.
Desse tempo, resta o folclore. A terra, que pertence à Estremadura, nada tem a ver com as caraterísticas etnográficas estremenhas. É uma ilha no folclore português. Há, naquelas danças, uma alegria, um tipicismo único, uma personalidade forte, própria da “alma nazarena”. Também fruto das transformações sociais e económicas, o rico património oral, aquela expressão linguística tão genuína, ainda vive, mas vai-se diluindo como as ondas que morrem no areal.
Esta gente que sempre gostou de touradas, de festas, do Carnaval, que é religiosa, mantém viva essa maneira diferente de estar no mundo, com um sentido crítico muito aguçado.
Hoje, ainda é a praia de muitos Ribatejanos. A pobreza é muito menor e as belas francesas “mudaram-se” mais para sul, mas o pôr-do-sol continua a ser como era em 1955, 56, 57 e o mar continua igual, perigoso, mas único.