Por João Maurício
Capítulo I
“Num circuito através dos concelhos de Alcobaça, Rio Maior e Porto de Mós, de Cós a Alcobertas (Serra dos Candeeiros) e a Alqueidão da Serra, uma investigação sobre os topónimos com, em mão, os dicionários das antigas línguas possivelmente faladas nesta região do neo-latim (céltico, fenício, latim, árabe) leva-nos, irremediavelmente, à língua dos fenícios ou púnicos”, in Moisés Espírito Santo.
A história da presença fenícia em Portugal tem muitos capítulos por desvendar. Povo de navegadores e comerciantes originário da região que hoje corresponde ao Líbano, foram pioneiros na arte de navegar. A sua economia chegou à Península Ibérica no século VIII antes de Cristo, atraídos pelos recursos minerais, nomeadamente o estanho e a prata. Trouxeram-nos a cultura e a economia. Tinham um dos primeiros alfabetos do mundo. Transmitiram às populações locais as técnicas da construção naval e até a arte da navegação. Foram mestres na arte da metalurgia, especialmente na fundição. Achados arqueológicos dizem-nos que estabeleceram várias colónias ao longo da nossa costa marítima, como Olisipo (Lisboa) e na região de Setúbal. Há anos, o Professor Moisés Espírito Santo, natural da Batalha, publicou um interessantíssimo trabalho “Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste /Etno-História da Religião Popular na Região da Estremadura”. Este estudo retrata uma quadrícula geográfica que engloba os atuais concelhos de Alcobaça, Rio Maior, Nazaré, Porto de Mós, Batalha e Leiria, tendo por guião a religião popular e a toponímia que aí fica libertada dos estereótipos latinistas e arabistas.
Deixo aqui uma nota pessoal: Fernando Duarte escreveu que o concelho de Rio Maior é a Estremadura Ribatejana.
Após a leitura do livro de Moisés Espírito Santo perdi as poucas dúvidas que tinha – Rio Maior, do ponto de vista histórico e sociológico, é muito, mas muito mais Estremadura que Ribatejo. Espírito Santo caminha pela cultura lusitano-fenícia, a qual foi uma espécie de tabú nos meios académicos, até há quarenta anos. Um livro dito polémico, mas bem estruturado, onde se vê como são fortes os vestígios da cultura fenícia no litoral da nossa região. Nos Moinhos Novos, freguesia de Benedita, bem perto de Santana, existe a Fonte Mariana.
O autor deste Livro, antigo professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, especialista em Sociologia Rural, doutorado pela Sorbonne (Paris), diz-nos que aquela fonte tem a ver com a presença fenícia nessa zona. Ao longo dos anos, foram encontrados vestígios da sua presença pelo país fora: Alcácer do Sal, Sines, Ourique, Figueira da Foz, Silves, Torres Vedras e nas Portas do Sol (Santarém), só para citar alguns locais.
Sobre a eventual presença dos fenícios em Rio Maior, Fernando Duarte na obra “Rio Maior – Estudo da Vila e seu Concelho” (1951), quase nada nos diz. Na página 22, afirma que “os povos marítimos da Antiguidade, os fenícios e os gregos, chegaram à Península Ibérica, criaram colónias e feitorias no litoral e exploraram as riquezas do subsolo. Talvez seja desta época, muitos anos antes da vinda de Cristo, a primeira exploração das marinhas de sal em Rio Maior”.
Não sendo um historiador e não sendo o livro uma obra profunda, a verdade é que Fernando Duarte era rigoroso no que escrevia. E se não refere a presença dos fenícios em Rio Maior terá sido por não haver dados rigorosos sobre o tema.
Entre os Historiadores há uma opinião generalizada sobre este assunto, de que há muito por descobrir, na área geográfica correspondente a Portugal. Esta pesquisa levará, certamente, muito tempo.
Joaquim Veríssimo Serrão (1925-2020) foi um grande historiador. Natural do concelho de Santarém, veio a Rio Maior, em data que não posso precisar, proferir uma conferência sobre História Regional. No volume I da sua famosa “História de Portugal” (2ª edição – 1979) dedica, apenas, 11 linhas aos fenícios. Esta é a prova real de que existem poucos dados sobre a sua presença entre nós.
Moisés Espírito Santo coloca em causa a teoria histórica que tem atravessado várias gerações sobre o nome “Os Potes Mouros das Alcobertas”. O termo “mouros”, neste caso e segundo este estudioso, não nos remete para o período islâmico.
Diz-nos o historiador (pág. 383), que “na cultura popular portuguesa, o termo “mouro” significava antigo e, frequentemente, “pré-romano”.
Também Mário Sá diz-nos que os silos das Alcobertas são, pelo menos, da época lusitano-romana. De facto, na época da invasão marroquina (ou islâmica) no ano de 711, já não se usava aquele tipo de silos. Esse povo, para conservar e armazenar os cereais, já usava tulhas de cerâmica, arcas de madeira e pias de pedra.
É bem possível que os silos das Alcobertas sejam obra dos fenícios. Aliás, há na toponímia das redondezas, origens fenícias, como é o caso de Teira.
Voltaremos, talvez, um dia a este interessante tema.
