

Por João Maurício
A Feira de Santana é hoje uma atração semanal visitada não só pela população da zona, mas também por forasteiros que aqui se deslocam aos domingos em excursões da zona de Lisboa para comprarem frutas e legumes frescos. Conquistou o seu espaço e que o tempo impôs na área comercial na nossa região.
Antes de falarmos dela com mais detalhe, faremos uma viagem pelas suas congéneres por esse País fora, as quais, cada uma à sua maneira vão resistindo ao tempo, às mudanças sociais e económicas, numa resiliência digna de apreço.
Aqui há cinquenta anos, muitos eram pessimistas quanto ao seu futuro. A verdade é que as mesmas foram-se adaptando às alterações que a sociedade absorveu como uma esponja. Afinal, nada na vida é estático e o ser humano tem uma capacidade enorme de se adaptar a essas mudanças que o tempo traz.
Há feiras famosas, umas importantes, outras mais modestas. Geralmente, revelam o tipo de sociedade onde estão inseridas. Quem por lá passa, não as esquece. Ao acaso, cito a Feira da Ladra, em Lisboa; a de S. Mateus, em Viseu; a de S. João, em Évora; a Feira de Março, em Aveiro; a Feira das Cebolas, em Rio Maior. Na região saloia, a Feira da Malveira que remonta ao século XVIII. Na Junqueira, havia a Feira Internacional de Lisboa, mais conhecida por FIL, que depois mudou para a Expo. Existe, também, a do Relógio, perto do Aeroporto e a do Artesanato de Cascais.
Mesmo nas grandes cidades europeias, elas lá estão, como é o caso de Amesterdão. Em Tomar, acontece a Feira de Santa Iria e nas Caldas da Rainha, há o 15 de Agosto. Toda a região norte conhece a famosa Feira de Espinho, que começou em 1894. Em Santarém, temos a Feira Nacional da Agricultura, onde hoje a tecnologia tem lugar de destaque, perdendo-se, por isso, o tipicismo do evento, o lado castiço do mesmo. No Baixo Alentejo, em outubro, tem lugar a Feira de Castro Verde. No Cartaxo, há a de Todos os Santos. Famosa é, também, a Feira da Luz, em Carnide (Lisboa), onde outrora havia feirantes de gado. Tem mais de quinhentos anos.
Na Feira dos Santos, em Chaves, portugueses e espanhóis misturam-se num convívio saudável e nesses dias a fronteira como que desaparece.
Lembro-me da feira de Salto (Montalegre), aonde por motivos familiares me desloquei várias vezes e onde os ourives montavam o ouro em cartões pretos numa palete resplandecente, sem qualquer receio. Era um tempo em que a bandidagem não andava à solta.
São tantas, de norte a sul, que lhes perdemos a conta.
Nelas, vende-se de tudo: do fumeiro à fruta, de roupa ao calçado. Muitas têm histórias que se perderam na memória. São sempre espaço de convivência, de reencontros, cheio de movimento. Paira no ar o cheiro a farturas que se mistura com os sons de música da última moda. Locais onde a bijuteria, os legumes, a carne, o peixe, as aves e as árvores de fruto e flores, as tapeçarias e atoalhados, móveis e restauração, coabitam de forma harmoniosa, com artigos de barro, de verga e cutelarias. Também o presunto e os enchidos têm o seu lugar, tal como o limoeiro e outras árvores de fruto para plantar no quintal, assim como o edredão para aquecer nas noites frias de inverno. Cada um no seu lugar. Aí, a vida agita-se de modo espontâneo.
Às vezes, aparece algum improvisado cauteleiro a vender raspadinhas e cautelas da lotaria popular que são as mais baratas. Nessas alturas pensamos na “sorte grande” que eleva os nossos sonhos. Santana é uma espécie de corredor onde tudo pode acontecer, até simpatia e amizade. Uma ou outra figura típica resiste ao tempo. Ser feirante é difícil: frio, chuva, vento, calor o montar e desmontar das tendas e o acomodar da mercadoria para a venda.
Noites mal dormidas, levantar de madrugada e quilómetros e quilómetros pela frente. É um verdadeiro ritual penoso e desgastante. Mas vida de feirante é assim.
Cada uma reflete, em parte, a identidade de cada região, com características próprias, com longas e curtas histórias. São locais onde, com cerveja, tremoços e uma bifana, as conversas são mais fluentes, com as suas futilidades e as “fofocas” se cruzam. Encontra-se o vizinho que regressou do estrangeiro, o conhecido que não se vê há muito ou um amigo que partiu e deixou saudades. É aí, que, na altura do Natal se compram as figuras para o presépio e, no Carnaval, as máscaras para a folia.
As feiras adaptaram-se à dita modernidade e até já se paga com Multibanco em algumas tendas, como entre os vendedores de melão e enxadas ou móveis. Há copos de vinho frisante e sonha-se com dias melhores que nunca mais chegam. Diz-se mal dos políticos e discute-se
o último jogo da temporada. São muitos os treinadores de bancada que se apoiam no balcão da tenda enquanto petiscam. As feiras são, sem que as pessoas se apercebam, uma forma de resistência contra a sociedade dita moderna, onde as máquinas se transformam numa espécie de ditadura. Umas, no entanto, progrediram e acompanharam as alterações inevitáveis, outras, como “Os Seis” da Benedita definharam. Ficam as memórias. Também a de São Bernardo, em Alcobaça, é hoje bem diferente do que era no passado.
A qualidade dos produtos agrícolas, nomeadamente da fruta, está num patamar distante dos comercializados nas grandes superfícies, onde o sabor se eclipsou. E depois, no inverno há sempre um tempo para comprar uma samarra, um cartucho de castanhas assadas ou uma gravata para ir a um casamento ou, até mesmo, um fato de cerimónia.
A Feira de Santana é isso tudo e muito mais. Aparecem vendedores de Coimbra ou de Tomar e os compradores são do ribatejo profundo ou de todos os lados do litoral oeste. Nesse espaço, os concelhos de Rio Maior, Alcobaça e Caldas da Rainha cruzam-se nas suas linhas divisórias.
Por lá, por altura de eleições, aparecem, por vezes, figuras públicas distribuindo panfletos que ninguém lê. O senhor que depois viria a ocupar um alto cargo a nível nacional, era bem falante e com um ar distinto. Tentava convencer um eleitor fugidio entre bandeiras que o vento ondulava. Neste momento, passa um indivíduo de etnia cigana, de barba e bigode que opinou em voz alta: “São todos farinha do mesmo saco!” Disse e continuou o seu trabalho de feirante, apregoando a sua mercadoria. Cenas de feira! Suportando a vida nos ombros, curvados por imensas canseiras, muitos encontram naquele local uma pausa para esquecerem as amarguras do dia a dia.
Na feira desabafa-se com um amigo. Aí, a vida dissolve-se na amargura do desencanto de alguns. Por detrás daqueles toscos balcões, há gente com sentido de humor, onde a ruralidade soa bem! Nota final – a Feira de Santana teve a sua origem na Benedita. a mesma realizava-se nas traseiras a Igreja Paroquial, sendo o terreno propriedade da Paróquia. Toda essa problemática aparece referida no texto “Testemunho de 21 anos de pároco da Benedita”, da autoria do Padre Francisco Cosme, inserido na obra “Benedita – 1955-2005 / Igreja Nova da Benedita- um marco na história”. O sacerdote foi pároco da Benedita entre 1981 e 2002 e viu-se envolvido nessa polémica: a transferência da feira para outro local. A ideia da Junta de Freguesia era mudar o mercado de produtos de consumo para a chamada Casa da Vila, onde antes tinha
funcionado a FAPOCAL (Fábrica Portuguesa de Calçado) que, entretanto tinha deixado de funcionar. Os vendedores reagiram e, como consequência, apareceu a GNR, seguida da “polícia de choque”. Uma situação que foi muito bem aproveitada pela Junta de Freguesia de Alvorninha. E, assim, se deu a transferência da Feira para Santana.
Hoje, a Feira de Santana é uma espécie de grande esplanada da vida!















