
Por João Maurício
Faleceu, a 24 de janeiro deste ano, Moisés Espírito Santo. Desapareceu, assim, aos 90 anos um grande professor universitário e estudioso profundo da sociologia portuguesa.
Ficou famoso o seu livro “Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste – Etno – História da Religião Popular numa Região da Estremadura”, obra editada, em 2004, pela editora Assírio & Alvim.
Para o Professor Moisés, natural do concelho da Batalha, a exemplo de outros grandes estudiosos da matéria, Rio Maior é Estremadura por razões sociológicas, históricas, religiosas e pela maneira de ser do seu povo. Por isso, neste seu livro, o autor traça uma quadrícula de parte da Estremadura que abrange os concelhos de Alcobaça, Nazaré, Leiria, Batalha, Porto de Mós e Rio Maior.
É nessa viagem interessantíssima que descobre uma rede de silos de cereais escavados na rocha (afro-orientais da civilização púnica). Diz o Professor Espírito Santo, na página 383, “A um quilómetro de Alcobertas existe um complexo de silos escavados numa rocha (que forma um morro) a que os naturais chamam “potes mouros”. Na cultura popular portuguesa, o termo mouro significa “antigo” e, frequentemente “pré-romano”. De facto, os escritores e historiadores romanos já tratavam os púnicos e os libofeníncios do Norte de África como mouros, já que o atual Magrebe era designado, pelos romanos, de Mauritânia.
O autor faz referência, nas páginas 182 e 183, à toponímia da zona das Alcobertas, com uma profundidade rara. Estuda, ainda, a “Anta-Capela”, dizendo que as antas lusitanas seriam monumentos funerários colocados sob os auspícios da Lua. A sepultura no interior da Anta simbolizava um retorno ao seio da deusa Anta, a Lua – a Força dos Vivos.
Enfim, estamos perante um livro difícil, mas magnífico, onde o autor traz à luz do dia estudos da cultura lusitano-fenícia (ou lusitano-púnica) que foi tabu académico, até aos anos 80 do século XX. As referências feitas à região de Alcobertas são muitas, mas não as vamos aqui referir para não alongar o texto.
As teorias do Professor são polémicas, causaram até algum burburinho nos elitistas meios universitários. A verdade é que se trata, contudo, de uma visão profunda do espaço e do território, com rigor histórico e muita lógica.
Direi mesmo que Moisés Espírito Santo consegue ver mais além e o tempo veio dar-lhe razão.
Moisés Espírito Santo fez a sua carreira académica, entre França e Portugal, onde foi professor da Universidade Nova de Lisboa.
Nota final – quem, como eu, escreveu durante muitos anos na imprensa dita normal e, agora, na imprensa on-line, expõe-se. Por isso, os elogios são raros. Agradeço às pessoas que o têm feito.
O mundo da escrita é solitário e complicado. Às vezes, os textos aparecem com alguma qualidade, outras vezes, nem por isso. A história local é parte da história nacional. O que importa é deixá-la registada para conhecimento dos vindouros. É esse o nosso objetivo – para que a memória não se perca, porque uma comunidade sem memória não tem futuro!
