

Por João Maurício
Um antigo combatente da Guerra da Guiné teve a simpatia de me oferecer o livro “Diário de Campanha – General Tamagnini – Comandante do C.E.P.”. São quase quinhentas páginas escritas pelo prestigiado militar.
Fernando Tamagnini de Abreu e Silva nasceu em Tomar, em 1856. Oficial de Cavalaria, foi nomeado, em 1917, Comandante do Corpo Expedicionário Português. A publicação deste diário só foi possível devido à longa pesquisa histórica feita pelo Major-General João Vieira Borges, por Isabel Pestana Marques, investigadora na área da História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e por Eurico Gomes Dias, Mestre em História pela Universidade do Porto.
O “Diário” do General Tamagnini é um valioso contributo para compreendermos o que se passou em França. A obra está cheia de detalhes, confidências e pormenores próprios de guerra. Destaco as visitas que Tamagnini fez aos militares do Regimento de Infantaria 7, onde estiveram alguns militares riomaiorenses.
O meu interesse pelo tema é antigo. Há mais de dois anos que comecei um trabalho sobre os “Militares Beneditenses na Primeira Guerra Mundial” que vai brevemente ser publicado nos Anais Leirienses, prestigiada publicação de índole histórica da cidade de Leiria.
Na longa pesquisa efetuada nos arquivos militares fui encontrando muitos dados dos soldados de Rio Maior que precisam de ser trabalhados.
Foi dura a “vida” destes homens. Alguns foram feridos, uns de modo mais ligeiro, outros com maior gravidade. Os que estiveram nas trincheiras passaram frio e fome. De França, chegavam cartas, através do Serviço Postal do C.E.P. que eram censuradas. Como o analfabetismo era alto entre a população portuguesa, os familiares recorriam a algum vizinho ou outra pessoa mais letrada para lhes lerem a correspondência.
As memórias foram-se perdendo. De França, trouxeram muitas vivências e algumas palavras que os acompanharam pela vida fora. A grande dificuldade que tivemos foi a falta de elementos mais detalhados. A documentação encontrada nos arquivos militares é, geralmente, de difícil interpretação. Tudo foi escrito manualmente, muitas vezes com ortografia pouco percetível. Os dados dos militares, nomeadamente dos riomaiorenses, variam conforme os critérios dos escriturários que reuniam esses dados.
Há, contudo, um tronco comum. Em primeiro lugar, aparece o nome do militar, segue-se o posto, o número, a filiação, a especialidade militar, a unidade de mobilização, o número da placa de identidade, o dia de embarque para França, (alguns foram e vieram de comboio), a data dos ferimentos em combate e se, devido a esses eventuais ferimentos, passou para os serviços auxiliares. Seguem, ainda, detalhes acerca da data do desembarque em Lisboa, as punições que tiveram e quais foram as razões para tal, os períodos em que estiveram hospitalizados, qual o hospital onde estiveram, se foram julgados ou dados como incapazes para todo o serviço, a profissão que exerciam na vida civil, se participaram na batalha de La Lys, os louvores que tiveram, as licenças que gozaram em Portugal, se estiveram em formação em Inglaterra, (como sucedeu com militares de Artilharia), se foram deslocados para outras atividades, como foi o caso dos soldados que eram sapateiros na vida civil.
Em documentação que encontrei nos arquivos militares, há referência a soldados do concelho de Rio Maior que pertenciam às baterias de artilharia que operaram na frente ocidental do conflito, nas posições que foram determinadas pelo comando francês. A verdade é que na listagem com quase quatro mil homens do Corpo de Artilharia Pesada Independente, não encontrei nenhum militar natural de Rio Maior. Tratou-se de um estudo feito pelo tenente de Artilharia, João Matias Pereira. Perante estas aparentes contradições, é importante aprofundar a pesquisa.
Recebi informação, por via oral, de que existiu, pelo menos, um militar natural de Rio Maior que foi feito prisioneiro pelos alemães. Como, por norma, ponho sempre um ponto de interrogação nos depoimentos orais, tal informação precisa de ser validada com registos escritos.
Ainda não é o tempo de publicar um trabalho detalhado relativo aos soldados riomaiorenses que estiveram na guerra dessa altura, até pelo facto de, só agora, estar no início esse estudo.
Foram 145, os militares naturais do concelho de Rio Maior que estiveram na chamada “Guerra de França”. Ao acaso, deixo alguns dos seus nomes: soldados José Ferreira Canadas, Joaquim Alves, Eduardo Rodrigues Vieira, Alfredo Faustino Bernardes que pertenciam ao Regimento de Artilharia nº 11 e Manuel Coelho do Regimento de Infantaria 16. As
fichas dos militares riomaiorenses têm muitos erros. Apenas alguns exemplos: confundem Vale de Óbidos com a vila de Óbidos; Asseiceira de Rio Maior com Asseiceira de Tomar. Encontrámos, ainda, erros na ortografia de algumas povoações como Arrouquelas que aparece “Arrouchelas”.
Como o texto já vai longo e urge terminar, faço uma referência final à obra “A Filha do Capitão”, de José Rodrigues dos Santos. O autor faz uma radiografia da sociedade riomaiorense do início do século XX. Uma das personagens principais é Afonso Brandão, natural das Carrachanas (Rio Maior), que esteve na chamada Guerra de França. Mas a verdade é que Afonso não existiu. Estamos perante uma obra de ficção, fruto da imaginação prodigiosa do autor. Um romance é isso mesmo: sonho e mais sonho. A História é algo diferente, ou seja, a vida real pura e dura, sem filtros. A História deve ser uma reprodução da realidade. E “A Filha do Capitão” não o é!















