Por João Maurício
A História e o Tempo estão intimamente ligados. Meio século é um espaço temporal razoável para que se possa observar, com alguma independência, o que se passou. Existem vários trabalhos, alguns estão em bibliotecas universitárias e, por isso, lidos por minorias. Outros foram publicados em livro sobre a História de Rio Maior, nomeadamente na década de setenta do século passado.
O que aqui deixo é uma análise, serena e menos emotiva dos acontecimentos. É uma reflexão generalista que procura ser independente. Incompleta, sem dúvida. A verdade é que este tema é muito interessante. Vão-se diluindo, com o passar dos dias, as memórias de um tempo que não volta. À medida que os mais velhos desaparecem, os sinais do passado vão-se apagando.
Uma coisa é ter vivido o 25 de Abril, outra é ter nascido depois dessa data. As pessoas que viveram esses tempos têm uma determinada visão. Quem não viveu esse momento, terá outra.
Os acontecimentos mais importantes da vida das comunidades locais, geralmente, não resistem na memória coletiva para além da geração que os viveu. Por isso, é importante preservar do esquecimento aquilo a que chamamos herança histórica. É muito importante preservar os arquivos e toda a documentação relativa a esses temas. Não há nada melhor para guardar tudo isso que elaborar livros que preservem essas realidades para sempre. Rio Maior era uma pacata vila e sede de um concelho profundamente agrícola, quando chegou O 25 de Abril, situação que se manteve nos primeiros anos, após a revolução.
Prova disso é um texto publicado no Semanário “Vida Social” de 25/12/1975, onde Alberto dos Santos Goucha, presidente da Comissão Administrativa que geriu o Concelho até às eleições autárquicas de 1976, refere a preponderância do setor primário que representava, na época, quase um quarto de toda a população existente. Retrata as caraterísticas sociais do concelho riomaiorense e acrescenta, ainda, que na área geográfica do município existiam 3.500 pequenos agricultores que produziam, fundamentalmente, vinho, azeite, criavam frangos (cerca de 6 milhões por ano) e cerca de 10 mil suínos por mês. A maioria esmagadora eram pequenos produtores que labutavam num setor com reduzida e rudimentar mecanização, em propriedades de tipo minifúndio e, muitas vezes, numa agricultura de subsistência.
Havia, contudo, alguma indústria. O aparecimento das Carnes Nobre, o dinamismo de João Teodósio Barbosa (um dos pioneiros na venda do vinho de mesa engarrafado), são alguns dos bons exemplos do desenvolvimento do tecido económico local. Existem outros. Ficará para outra altura referi-los.
A verdade é que estes e outros exemplos não modificaram a matriz profundamente rural nem o estado em que se encontrava o concelho, quando surgiu o 25 de Abril, com uma agricultura nada modernizada.
Convém recordar que antes do 25 de Abril, não existia um verdadeiro poder local, já que havia uma centralização absoluta das competências que estavam concentradas nos departamentos governamentais fixados em Lisboa. As restrições em que viviam as autarquias reduziam-nas a viverem com parcos recursos e numa dependência total, em relação ao governo. Os governos civis eram estruturas decorativas e “correias de transmissão” do poder central.
Sem pôr em causa o bairrismo dos autarcas dessa época, a verdade é que os mesmos tinham “as mãos atadas”. Os problemas financeiros, técnicos e administrativos eram enormes. O lado autárquico da ditadura impunha aos presidentes da Câmara um papel reduzido. Tinham de se sujeitar aos beneplácitos ministeriais. As autarquias não puderam acompanhar algum progresso económico que se fez sentir durante o Marcelismo, e Rio Maior é um bom exemplo dessa realidade. Sem o apoio comunitário era difícil fazer melhor.
Sem nenhuma autonomia, nada acarinhadas pelo poder central, as câmaras municipais sobreviviam perante esse quadro político. Fruto de toda esta política, diremos que Rio Maior se encontrava numa certa estagnação populacional, provocada por forte deslocação para a emigração e para a chamada Grande Lisboa.
O número de habitantes do concelho de Rio Maior, em 1950, era de 18.902 habitantes; em 1971, era de 18.245. Havia, pois, dificuldade em fixar população, dado existir pouca indústria. A sociedade riomaiorense não conseguia ultrapassar essa situação.
A Guerra do Ultramar/Colonial retirava aos concelhos de pequena dimensão económica, os jovens que estavam na plenitude das suas vidas. Terminado o serviço militar, muitos já não regressavam às terras donde tinham saído, contribuindo para o empobrecimento social e económico desses concelhos. Rio Maior não escapou a essa realidade.
Relendo recentemente o livro do General Spínola “Portugal e o Futuro”, fácil será concluir que o País estava, durante o chamado Marcelismo, sem saída. O próprio general, distinto militar, expressa a ideia de que a guerra da Guiné estava perdida. Spínola, sendo um conservador era, ao contrário do que se apregoa, um homem inteligente e sabia bem que um país pobre não podia manter uma guerra indefinidamente. O general tentou abrir algumas portas, mas a teimosia de Marcelo Caetano fechou-as.
A despesa com as forças militares era enorme, uma gigantesca fatia do Orçamento Geral do Estado. Os municípios ressentiam se dessa realidade. Rio Maior não era exceção.
Os jornais locais são uma das fontes imprescindíveis para a abordagem deste tema. Acontece que a censura, o chamado lápis azul, filtrava muita informação que, por isso, não chegava ao público.
Oportunamente, recuaremos no tempo e estudar, por exemplo, como o Estado Novo “olhou” para Rio Maior. Cinquenta anos passaram desde O 25 de Abril e, consequentemente, o País mudou muito.
As Autarquias tiveram nos últimos quarenta anos uma afirmação do seu papel digno de relevo. Diremos mesmo que se cumpriu o sonho de Alexandre Herculano, que era um municipalista convicto.
Realçamos alguns dados estatísticos relativos a Portugal em geral. Não temos elementos detalhados sobre o concelho de Rio Maior, mas os mesmos, não devem deferir dos números atuais do País.

Na minha turma da escola primária, éramos uns trinta. Só dois ou três, muito mais tarde, escaparam à guerra do Ultramar/colonial.
Regressaram todos, só que alguns – como escreveu Manuel Alegre – “numa caixa de pinho”. Abençoado 25 de Abril que acabou com esse pesadelo!
O 25 de Abril semeou sonhos na terra, umas vezes áspera, outras vezes doce. Cometeram-se erros, mas a esperança num mundo melhor deve continuar sempre viva.
Rio Maior e o País ficaram a ganhar. O antigamente é passado, é um tempo sem regresso!















