Por João Maurício
Luís da Cruz Ferreira nasceu na Benedita. Filho de gente humilde, subiu na vida a pulso, sendo atualmente, segundo me dizem, proprietário de um restaurante, em Cascais. Tem sensivelmente a minha idade.
Lembro-me do Luís, era um miúdo, trabalhar num restaurante na Nazaré. Recordo-me dos tempos em que vivia junto à Igreja Nova da terra onde nasceu. Já não o vejo há mais de quarenta anos e, por isso, foi com surpresa que recebi com dedicatória o seu livro “Os Có Boys – Nos trilhos da Guiné”. Uma obra onde descreve com detalhe os tempos que passou naquela guerra. Era 1º cabo auxiliar de Enfermagem. Conheceu no terreno o lado negro do conflito. Um texto cheio de dados biográficos – “Como eu já tinha levado a minha motorizada para a Benedita, à hora em que deveria partir para a Carregueira”.
Passou pelo Regimento de Artilharia Ligeira nº 5 (RAL5) de Penafiel.
Diz-nos o autor “Os meus três anos de tropa foram igualmente passados com o sentimento de que tudo o que vivi era rude e exagerado. A minha vida teria sido certamente muito diferente. Não foram só três anos perdidos. Foi uma louca obediência”.
Na página 93, recorda outros beneditenses que estiveram consigo na Guiné: o Luís Nicolau, o Tito Belo e o António Ferreira Marquês. O Luís diz-nos que “Não tomei notas de nada, tudo o que escrevo é de memória”. Fantástico. Escrever um livro com 150 páginas, assim não é fácil. Eu que sou desse tempo, mas que por sorte não vivi os horrores da guerra, não consigo imaginar o que por lá aconteceu.
Um dia destes fui a Lisboa ver o Museu do Combatente, em Belém. E naquele muro “O Memorial”, onde estão gravados os de mais de sete mil mortos da guerra do Ultramar, fui encontrar outro beneditense tombado no fim da Comissão, em 1973.
O José Inácio Neves, também era do meu tempo e nosso vizinho, natural da Venda das Raparigas.
Um abraço ao Luís por este brilhante depoimento. Com livros destes a memória, felizmente, não se vai apagar.
Nota final – o título do livro pode parecer confuso. Có era um aquartelamento que se situava perto da cidade Teixeira Pinto.
Passo a transcrever algumas frases mais expressivas e significativas sobre o que foi a vida deste militar em terras guineenses.
“O meu primeiro grande choque ao chegar à Guiné foi, pois, sem dúvida, essa sensação de um calor extremo, nunca por mim sentido”. (página 21).
“Os meus três irmãos mais velhos já tinham ido à guerra (dois em Angola e um na Guiné). O meu destino estava traçado”. (pág. 7).
“Na Guiné-Bissau, cerca de 80% das pessoas vive em permanente estado de pobreza”. (pág. 151).
“Quando chegámos à Guiné, povoou-me o cheiro a pólvora”. (pág. 143).
“No primeiro ataque que fizeram ao quartel, (os inimigos) utilizaram um pequeno morteiro”. (pág. 30).
“Os coronéis e outros militares superiores tinham plena consciência de que todos iam mal preparados para a guerra”. (pág. 77).
“Tínhamos medo, um medo estranho”. (pág. 58).
“O P.A.I.G.C. possuía armas mais modernas, mais fáceis de transportar, mais funcionais”. (pág. 46).
“Fui na primeira jangada e ao chegar deparei-me com um grupo de militares à primeira vista não se distinguiam os soldados dos oficiais e dos furriéis, porque nos seus ombros não traziam galões ou divisas. De calções esfarrapados, grandes cabeleira e barbas, tisnados quanto baste, alguns de metralhadoras de fita (HK-21)”.
Fácil é perceber que a não existência de galões ou divisas acontecia para o inimigo não saber que eram os graduados.